Eu me sentei no chão daquela sala completamente vazia. Observando minuciosamente cada canto eu podia perceber que em todos aqueles anos nada havia mudado. Ainda era a mesma sala. Se eu fechasse meus olhos, eu ainda podia ver naquele mesmo canto esquerdo o rádio que costumava estar ali. E a televisão também juntamente com o DVD. Mantive meus olhos fechados, apenas para poder ver – e sentir – mais do que aquilo. Meu corpo vestia uma peça de roupa sua, uma jaqueta, cuja eu nunca devolvi. Esperei você ir embora, apenas para dizer que havia esquecido. Mas eu nunca esqueci. Eu apenas não podia aceitar que me separaria de você, eu acreditava que aquilo era a parte de você em mim, a parte de você que havia ficado em mim.
Eu sorri, ainda com meus olhos fechados. Eu podia ver claramente o seu sorriso, é como se fosse ontem. Eu não via só o seu sorriso, eu via também o dos nossos amigos. Eu nos via reunidos aqui, no chão dessa sala novamente. Dividíamos cigarros, bebíamos. E nós tínhamos apenas 16 anos... Era sempre essa casa, sempre essa. E cada canto me faz ter uma pequena lembrança. É como se apenas meu espírito tivesse se soltado do meu corpo e caminhasse com leveza por cada cômodo dessa casa. Ele visita o quarto, eu lembro do que nós fizemos nele. E são tantas lembranças. Eu não consigo me perdoar até hoje por ter te deixado ir embora... Por ter te deixado ir sem nunca te deixar saber que você era mais que um amigo.
Eu era ingênua. Todos nós éramos. Ninguém era de ninguém naquela época, a gente não ligava. Que tivessem ciúmes. Que eu tivesse. Que você tivesse. Mas a gente se calava. Talvez você gostasse de mim, bem mais do que eu pensava. Mas eu nunca iria saber. Nós éramos apenas crianças. Crianças brincando de ser gente grande. A gente brincava como se fossemos adultos. Mas já fazem cinco anos que cada um se perdeu pelo mundo e agora eu posso apenas sentir. Eu posso ouvir as músicas. Eu posso ouvir os sons das risadas. Cinco anos. Em cinco anos...
Eu abracei meu corpo com mais força. Me lamentei que essa jaqueta não tivesse mais o seu cheiro, não como tinha quando eu sutilmente a “roubei” de você. E era só um pretexto pra ter o seu cheiro comigo, pra te sentir comigo. Pra dormir com você. Pra dormir... porque eu simplesmente adorava te ver dormir. E você nunca soube disso. E eu me lamento. Eu me lamento tanto... Naquela época tudo era tão proibido. Talvez porque nós fôssemos crianças. Mas apenas pra dormir com você, isso significava quebrar um milhão de regras, mas que deixavam de existir. E nós quebramos. Tantas e tantas vezes. Eu não me importava, só pra poder te ver dormir.
Meu corpo leve, meu espírito visitando cada cômodo da casa. A saudade apertada. Me abraço forte, imaginando seu abraço, do qual eu tanto gostava. Mas a sua falta não é a única que eu sinto. Eu sinto a falta de todos. Éramos todos amigos. Irmãos, pra dizer a verdade. Não era como se fosse errado ou fora das regras se demonstrássemos nosso amor um pelo outro. Todos nós. Porque era permitido. Mesmo que o ciúmes as vezes falasse mais alto, mas ainda sim, era divertido. Ah, como era...
Depois que cada um cresce, depois que cada um se dispersa. Nós tínhamos tantos planos! Nós iríamos morar juntos, todos os quatro. Éramos a parte inseparável, achávamos que todo mundo passaria, que todo mundo iria pra um lado e que nós estaríamos sempre juntos. Que aquele seria sempre nosso grupo fechado. Essa sala vazia acusa nossos sonhos, soprados pelo tempo. Sonhos de adolescente, quando ainda acreditávamos. E agora o que sobrou pra gente além de lembranças?
Eu me abraço mais forte, meu peito se aperta, mas eu ainda não quero abrir meus olhos. Eu não tenho coragem de visitar outro cômodo que não seja essa sala. Essa sala já me traz todas as lembranças que o resto da casa poderia avivar ainda mais. Beijos, abraços, discussões bobas, bebidas, músicas, risadas... E tudo isso se perdeu entre os anos. E esses cinco anos. Esses cinco anos! Eu corri pra cá, quando soube que a casa estava vazia. Desde que o primeiro de nós se dispersou, o primeiro de nós se foi... E depois o próximo. E o próximo. E depois de cinco anos, estou sozinha aqui. Sentada no chão da nossa sala, agora vazia. Não tem música, não tem regras que possamos quebrar. Não tem nada. Não tem vocês. Só tenho as lembranças. E essa jaqueta. Eu me aperto um pouco mais, na esperança de ainda depois de cinco anos, poder sentir seu perfume nessa jaqueta. Eu consigo sentir, mesmo sabendo que o cheiro não está mais ali. Mas minha memória se recorda perfeitamente.
Eu lembro beijos, eu lembro canções, eu lembro cheiros, eu lembro sabores. Eu lembro de absolutamente tudo. E com meus olhos bem fechados, eu posso viajar no tempo, viajar por essa casa, eu posso ver todos vocês aqui, novamente. Eu retorno. Aterrisso rapidamente de volta ao meu corpo. Abro os olhos, olho em volta. A casa totalmente vazia, triste, sem vida. Dói muito mais do que eu imaginava voltar aqui depois de cinco anos. Eu me levanto. Ajeito a jaqueta em meu corpo e dou mais uma olhada ao redor, apenas pra memorizar a sala, apenas mais uma vez. A última vez que eu voltaria a nossa sala. A última vez que eu viria aqui. E então aquela lágrima presa entre meus olhos, minha garganta e meu nariz caiu. A despedida. O desapego. Nós quatro. Nossos sonhos. E tudo isso fica ali, na sala, bem guardado. E também fica aqui dentro. Ninguém poderia tirar isso de mim, nem em um milhão de anos.
Caminho até a porta e não olho para trás mais uma vez. Continuo olhando para a frente, no caminho que devo seguir, nunca olhando para trás. Então eu corro. Dou as mãos para ela, eu me lembro quando corríamos assim, ainda que fosse só até a esquina. Eu posso vê-los correndo adiantados, à nossa frente. Eu corro em direção à liberdade de todas essas lembranças. Corro em direção à nossa liberdade. A cada passo, imagino onde cada um de vocês possa estar agora. Eu corro, e não me importo com a falta de ar. Todos aqueles cigarros, quando eu tinha apenas dezesseis anos. Mas eu continuo correndo. Abro meus braços, deixo as lágrimas soltas, mas eu dou risada. Eu poderia abraçar o mundo agora. Eu rio em nossa homenagem. Nós, os irmãos, os amigos, os amantes. Os cúmplices. Nós. E toda a vida que nós vivemos juntos. Eu sinto o vazio, mas sinto a felicidade de ter participado desses momentos. Eu me sinto mal, mas ao mesmo tempo me sinto perfeitamente bem. Eu me sinto nova. Eu me sinto velha. Eu me sinto totalmente livre. Livre. Porque foi com vocês que eu aprendi o que era a liberdade, o que era o amor, o que era a partilha. O que era a amizade.
E isso tudo ficou guardado, ficou na memória, no coração, nos sonhos. É como se tudo não tivesse passado de um sonho. Um sonho. Nós éramos sonhadores. Nós éramos Os Sonhadores. Isso nunca vai acabar. Essa parte sempre vai estar viva dentro de nós. Nós, Os Sonhadores. Nós. Somente nós. E eu ainda tenho suas risadas, seus perfumes, seus rostos. Estão todos guardados aqui. Junto com tantas coisas que eu deveria ter dito. Está tudo aqui, pra onde quer que eu vá. Pra onde quer que vocês vão. Isso sempre vai fazer parte de nós. Sempre.
(For N, J, G and our memories)
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